sábado, 11 de setembro de 2010

Entenda o caso de Paulínia - Basf

Em maio de 2004, o Ministério Público do Trabalho solicitou ao Ministério da Saúde apoio, em função da existência de Inquérito Civil Público nº 10425/2001-12, na análise de, aproximadamente, 30.000 laudas referentes à contaminação ambiental e exposição humana no site das empresas Shell, Cyanamid e Basf no município de Paulínia/SP.
Essa contratação teve por objetivo, após a análise crítica do material disponibilizado para avaliação do risco de exposição dos trabalhadores e ex-trabalhadores a diversos contaminantes que serão descritos no decorrer deste relatório, a elaboração de conclusões e recomendações, nos campos de saúde e meio ambiente, referentes à contaminação ambiental e exposição humana aos diversos compostos perigosos existentes no site das empresas Shell, Cyanamid e Basf.
Essa contaminação é atribuída à empresa Shell, envolvendo, também, as empresas Cyanamid e Basf em função de serem suas sucedâneas naquele pólo industrial, instaladas no bairro Recanto dos Pássaros.

Em 1974, foi adquirido um terreno no bairro conhecido por Recanto dos Pássaros, no município de Paulínia/SP, Brasil, para instalação de uma fábrica de praguicidas pela empresa SHELL DO BRASIL S.A., em uma área de 78,99 hectares.
Essas instalações consistem em 26 edificações que ocupam aproximadamente 14 hectares, sendo que o restante da área permanece sem desenvolvimento. Conforme se observa na Figura 1, os limites das instalações seguem o formato do rio Atibaia.
Atualmente, as empresas Basf e a Kraton Polímeros do Brasil operam o complexo químico que se situa dentro de uma área de aproximadamente 195,2 acres no distrito industrial da cidade de Paulínia/SP. As unidades fabris compreendem 34,5 acres. Na área remanescente (conhecida como área da fazenda), não existem atividades industriais. A Basf e a Kraton compartilham uma área comum de manutenção, sob a designação de Societal, que é administrada pelas duas empresas.

No ano de 1977 tem-se o início da operação da indústria na formulação e síntese de compostos organoclorados e organofosforados, com 191 funcionários. O processo produtivo era dividido em duas unidades básicas: (1) produção de dois princípios ativos de inseticidas fosforados, denominados Azodrin e Bidrin, fabricados por fosforilação de intermediários importados; e (2) produção de defensivos agrícolas de Azodrin e Bidrin e outros princípios ativos importados, 18
aplicáveis no campo, diluídos com solventes ou impregnando pós. As matérias-prima para produção desses inseticidas eram: N-meti-2-cloro-acetoacetamida – MMCAA; N-dimeti-2-cloro-acetoacetamida – DMCAA e Trimetilfosfito – TMP.

Em vistoria a Shell, em junho de 1979, a Cetesb constatou a “emissão de poluentes na atmosfera provenientes da operação de incineração de baldes com defeitos e tambores com resíduos de pesticidas organoclorados, realizadas em um forno que utiliza GPL como combustível, desprovido de sistema de ventilação local exaustora e equipamento de controle de poluentes”. Ressaltaram, ainda, no relatório de inspeção que “foi constatado também, como fonte de poluição do ar um incinerador utilizado na operação de incineração de resíduos de pesticidas organoclorados que no momento da inspeção não estava sendo operado.”TP6PT
Pelas irregularidades encontradas a empresa recebeu Auto de Infração da CetesbTP7PT impondo penalidade de advertência com prazo de 90 dias para instalar sistema de ventilação local exaustora e equipamento de controle de poluentes de alta eficiência para a operação de incineração. Em resposta, a empresa informa que “os problemas ocasionados na unidade de tratamento térmico de tambores foram originados de vazamentos e corrosão ocorridos na antiga unidade e, por esta razão, na época da inspeção já havia um projeto de nova coifa /chaminé para substituição, devendo entrar em funcionamento nos próximos dias”.TP8PT
Em fevereiro de 1980, a empresa recebe Auto de Infração da Cetesb por emitir fumaça com densidade colorimétrica acima do padrão 1 (um) da escala Ringelmann.
No período entre 1981 e 1999 são constantes as queixas da população residente no entorno da Shell à Cetesb referentes às emissões atmosféricas dos incinerados e odores provenientes da produção. A maior parte das reclamações ocorre no período noturno e finais de semana.TP9PT

Após as primeiras reclamações, em 1981, a Cetesb realizou inspeção verificando que os incineradores não estavam funcionando, na oportunidade, devido à manutenção. Porém, constatou “a emissão de poluentes (substancias odoríferas) provenientes do tanque de estocagem da matéria prima TMP, que é provido em seu suspiro de um absorvedor de gases, porém devido a reparos e testes de pressão estava desligado, ou seja, o flange de entrada do absorvedor estava solto”. Assim, atribui o odor alvo das reclamações proveniente deste vazamento.TP10PT
Ainda por ocasião desta inspeção, a Cetesb identificou “outras fontes de poluição do ar: fusão de substâncias químicas por radio freqüência, provida de sistema de ventilação local exaustora e equipamento de controle de poluentes (torre de lavagem de gases); setor de embalagem (2 máquinas para preenchimento de frascos de vidro e 4 de preenchimento de baldes). Na unidade sólidos: peneiramento, armazenamento, carga de produtos ativos, misturas, embalagens e pesagem, providos de sistema de ventilação local exaustora e equipamento de controle de material particulado (filtros de tecidos).”TP11PT
Em 1984, a Shell solicita à Cetesb licença para iniciar a formulação de herbicidas.
Em 1985, a Shell encaminhou à Cetesb projeto relativo ao sistema de tratamento de efluentes aquosos gerados durante as sínteses de organofosforados e Piretróides. Neste período a empresa já contava com 260 funcionários, com a indústria funcionando 24 horas, em 3 turnos. Segundo informação da empresa, a fábrica sintetizava apenas um produto por vez (monocrotofós ou dicrotofos ou piretroide).

Apenas em 1989, a Shell encaminha à Cetesb licença para instalação de aterro industrial para receber as cinzas do processo de incineração e os efluentes provenientes das lagoas de evaporação do processo de piretróides, aprovado pela Cetesb em julho de 1989. Os resíduos foram classificados pela Cetesb como não perigosos e não inertes. Os testes de lixiviação realizados pela Cetesb nas cinzas não acusaram a presença de biocidas organoclorados.
A Cetesb informou em seu Parecer Técnico nº 009/89 que o solo natural apresenta uma espessura de 4 a 6 m até o lençol freático e que a concepção de aterro industrial apresentada pela Shell poderia ser aceita para Resíduo classe II. A camada de impermeabilização proposta pela Shell apenas servia para classe II e não para classe I, mesmo que os resíduos perigosos fossem acondicionados em tambores de polietileno. O Parecer Técnico considera, ainda, não aceitável o encaminhamento dos efluentes do processo Ionol para as lagoas de evaporação, informando que no monitoramento das águas subterrâneas deverão ser analisados todos os biocidas organofosforados e clorados manipulados na empresa. Somente em 1992 a empresa recebeu a liberação para utilizar a primeira fase do aterro industrial.
Em maio de 1989, a Cetesb analisa a viabilidade de localização de unidade de síntese para fabricação de acaricida, óxido de fenbutatin, vendido no mercado com o nome comercial de “Torque”. A Shell informa estar ciente da legislação estadual que restringe atividades industriais nas áreas de drenagem do rio Atibaia, componente da bacia do rio Piracicaba.
Para conseguir a licença para produção do novo produto, a Shell argumentou que o novo produto é um acaricida que não tem ação inseticida e que a produção não contempla o descarte de nenhum efluente liquido para o meio ambiente. Em dezembro do mesmo ano, a Cetesb entende ser a proposta viável.

A formulação de organoclorados é encerrada em 1990.
A Shell encaminha à Cetesb, em agosto de 1991, correspondência informando que a presença de agroquímicos, como: carbamatos e fosforados totais – expressos como Parathion; herbicidas; e inseticidas clorados (aldrin, dieldrin e endrin), na área da empresa deve ser relacionada à antiga utilização do terreno, anterior a efetuação de compra pela Shell em 1974, uma vez que o local tinha finalidades agrícola.
Em agosto de 1991, a Shell informa a Cetesb que as “características dos resíduos sólidos incinerados: pó de serragem (27%), panos de limpeza (20%), madeiras (20%), plásticos (sacos, garrafas – 13%), papel (sacos e papelão – 10%) e outros (verrutas – 10%) e que esses resíduos, na sua maioria, estão potencialmente contaminados com defensivos agrícolas basicamente organofosforados”.
Em julho de 1992, a Cetesb é favorável a ampliação das instalações da Shell para produção de borracha termoplástica (TR), com uma produção estimada de 1700 ton/mês.
Ainda em 1992, a Shell recebe, em maio, Auto de Infração pela não apresentação do plano de destinação final dos resíduos sólidos que estavam sendo incinerados no incinerador para resíduos sólidos. Em resposta informa: “a partir do momento que se identificou à necessidade de instalação de um equipamento de controle de poluentes, passamos a utilizar o plano alternativo: substituição do óleo combustível; alteração no horário de funcionamento do incinerador (não operar nos finais de semana a partir de 13/07/92); redução de alimentação do incinerador”.

Em 1993, a empresa recebeu novo Auto de Infração (nº 36998) da Cetesb devido ao lançamento de efluentes no Rio Atibaia, provenientes do setor de produção de organofosforados, em desacordo com a legislação vigente (Conama 20).
A área em questão sofreu uma sucessão de fracionamentos, onde pertenceu, primeiramente, à empresa SHELL DO BRASIL S.A., abrigando, até o ano de 1995, o Centro Industrial Shell Paulínia – CISP. Naquele ano, parte da área foi vendida à empresa AMERICAN CYANAMID CO., que, por sua vez, em março de 2000, a revendeu para a empresa BASF S/A. A parte remanescente foi vendida para a empresa KRATON POLYMERS, atualmente instalada no local.
De acordo com os termos contratuais entre a Shell e a Cyanamid, havia necessidade de que a Shell realizasse estudo de impacto ambiental, bem como se responsabilizasse pelas medidas reparadoras decorrentes da evidência de contaminação ambiental, o que foi expressamente reconhecido pela Shell.
Em relatório de Auditoria Ambiental, de março de 1995, a Shell confirma o comprometimento do aqüífero pela infiltração de águas do processo industrial na Unidade Opala – 1,2 DCA (e seus correlatos), Xilol (mistura de Xileno e Etilbenzeno) e Benzeno. Informa, ainda, que a contaminação foi causada por sucessivos vazamentos ocorridos no tanque subterrâneo de coleta de águas existente sob o prédio da unidade Opala. Inspeções realizadas em 1978 acusaram estufamento do revestimento interno do tanque devido o desprendimento parcial de alguns dos azulejos especiais utilizados na impermeabilização da superfície. Nova inspeção, nos anos de 1982 e 1985, detectou novo estufamento.
Com base nesses resultados, a empresa SHELL DO BRASIL S/A encaminhou uma auto-denúncia ao Ministério Público Estadual em Paulínia, no ano de 1994TP12PT.

Em inspeção realizada pela Cetesb em dezembro de 1998 (nº 765548), em atendimento à denúncia de forte odor durante a noite, foi possível constatar novo vazamento de trimetilfosfito (TMP) de um container que alimentava a unidade produtiva.
Novas reclamações ocorreram em janeiro de 1999, onde, segundo a Cetesb, o odor supostamente ocorreu pelo vazamento de TMP. Após a constatação do vazamento a caldeira foi paralisada. Por ocasião desse vazamento a Cetesb sugeriu a instalação de um “plano de ação de controle de situação emergencial”.TP15PT
Em Dezembro de 2002, a empresa BASF S/A anunciou o encerramento de suas atividades na unidade de Paulínia, rompendo o contrato de emprego dos trabalhadores que se ativavam no local. Nesse mesmo período o Ministério do Trabalho, em ação conjunta com o Ministério Público, interditam todas as atividades da planta e o processo de demissão, até que sejam esclarecidos os impactos da contaminação ambiental sobre a saúde dos trabalhadores.
Diante do quadro alarmante, face à manutenção de condições de risco à saúde humana, a área residencial foi interditada pelo Poder Público municipal (decreto municipal, em resposta à análise da vigilância sanitária do município de Paulínia). O mesmo ocorreu com a área atualmente de propriedade da empresa BASF S/A, antiga planta industrial da empresa Shell, que também foi alvo de interdição para o trabalho humano, pelo Ministério do Trabalho.
Entretanto, neste contexto, deve-se assinalar que os moradores das chácaras evacuaram o local e tiveram assegurado pela prefeitura um seguimento de sua saúde, o que difere bastante da situação dos trabalhadores e ex-trabalhadores, que até o momento, não têm uma avaliação e um seguimento de saúde adequados.


Leia na íntegra o relatório:

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